Fez barulho a chegada da OranjeBTC à B3. A empresa estreou há pouco mais de um mês por meio de um IPO reverso, levantando recursos com nomes de peso como Adam Back, FalconX, Norte Ventures e o Mercado Bitcoin. Logo de cara, se tornou a maior companhia de tesouraria de bitcoin da América Latina, com 3.675 unidades do ativo em balanço — um volume que, na cotação atual, equivale a mais de R$ 2 bilhões.
O plano era simples e ambicioso: usar o capital aberto para ampliar o estoque de bitcoins, recorrendo a novas emissões de ações e captações a juros baixos, em um ciclo que prometia transformar a empresa em uma “Strategy tropical”, a americana que é referência do mercado e detém 641.205 bitcoins em tesouraria (cerca de US$ 65 bilhões).
A estratégia, porém, não saiu como o esperado. Em menos de um mês de listagem, as ações da OranjeBTC despencaram e a companhia foi obrigada a recomprar parte dos papéis em circulação para tentar conter a desvalorização.
Na última atualização ao mercado, a OranjeBTC informou ter realizado três movimentos de venda de ações para comprar mais bitcoin, mas decidiu interromper temporariamente as aquisições do criptoativo. Em seguida, fez uma recompra líquida de 87,2 mil ações próprias, a um preço médio de R$ 13,12, em operação que retirou cerca de R$ 1,14 milhão do caixa.
O resultado financeiro completo ainda é incerto: o balanço do terceiro trimestre, que incorporará a nova estrutura da empresa, será divulgado entre os dias 14 e 15 de novembro.
Em entrevista ao NeoFeed, Guilherme Gomes, CEO da OranjeBTC, explica que a recompra foi necessária para reduzir o desconto com que as ações vinham sendo negociadas na B3 em relação ao montante de bitcoin mantido em tesouraria.
Ele, que passou pela Bridgewater Associates, de Ray Dalio, e Swan Bitcoin, tem ao seu lado Guilherme Affonso Ferreira como CFO, investidor veterano do mercado brasileiro, fundador da Teorema Capital e membro do conselho da Bioma Educação.
“Em alguns momentos, a empresa passou a negociar abaixo do valor do bitcoin em tesouraria. Nesses dias, usamos o caixa para recomprar ações para aumentar o montante de bitcoin por ação”, diz Gomes. Segundo o executivo, uma das principais métricas da companhia é o volume de bitcoin por ação, um indicador que orienta as decisões de tesouraria.
Em um cenário ideal, diz ele, a empresa deveria ser negociada acima do valor de suas reservas de bitcoin, o que permitiria novas emissões de ações a preços atrativos, retroalimentando as compras do ativo. Mas, com as ações valendo menos do que o montante de bitcoin que representam, esse tipo de operação se torna inviável.
“Nesses momentos, faz mais sentido recomprar as ações do mercado e, assim, aumentar a quantidade de bitcoin por ação”, explica o CEO.
O fenômeno ocorreu depois que as ações da OranjeBTC acumularam uma queda de 47% desde a estreia na B3, em 7 de outubro – no mesmo período, o Ibovespa acumulou valorização de 9%, chegando a 154 mil pontos. O movimento foi impulsionado pela desvalorização de cerca de 17% do bitcoin no mesmo período.
Embora já seja esperado que uma bitcoin treasury apresente um beta elevado em relação ao ativo, devido ao seu poder de alavancagem, a queda foi ainda mais abrupta do que a observada em seus pares.
No mesmo intervalo, a americana Strategy, que é referência da OranjeBTC, recuou 27%, enquanto a Méliuz, que passou a adotar estratégia semelhante neste ano, chegou a registrar leve valorização de 4%, após cair 46% entre junho e o início de outubro, quando o bitcoin era negociado próximo das máximas históricas.
“Eu ainda acredito que estamos em price discovery. Eram pouquíssimos investidores no início e, agora, já são quase 3 mil [em relação aos 150 do dia da listagem]. O número de investidores tem crescido, mas ainda está longe de ter uma estrutura de preço normal”, diz Gomes. “Um único investidor, em um momento específico, pode acabar movimentando o preço da ação.”
A expectativa de Gomes é que, com o amadurecimento do papel, as ações passem a acompanhar mais de perto o desempenho do bitcoin, mantendo algum grau de sensibilidade ao ativo — dado o efeito de alavancagem da empresa —, mas em um ritmo menos volátil do que o observado nos primeiros dias de negociação
A companhia possui uma dívida de cinco anos com juros zero, firmada com a americana Parafi Capital, no valor de R$ 128 milhões, com possibilidade de conversão em ações. O instrumento foi usado para ampliar a posição em bitcoin sem pressionar o caixa no curto prazo. Segundo Gomes, a empresa pretende emitir novas dívidas em formato semelhante, caso surjam oportunidades com condições vantajosas de custo e prazo.
“Temos uma alavancagem muito conservadora, de basicamente 5%. Temos capacidade de alavancagem e a intenção de chegar em mais ou menos 15% a 20%. Então, acho que fica mais ou menos claro quais são os passos futuros que a gente pode dar”, diz Gomes. “Como empresa pública, não posso dar muitos detalhes, mas a ideia é seguir nessa linha — sempre com juros baixos e prazos longos.”
Parte do prêmio que a OranjeBTC espera capturar em relação ao valor de sua tesouraria vem justamente do poder de alavancagem. Segundo Gomes, é esse mecanismo que sustenta o múltiplo mais alto em comparação ao montante de bitcoin em balanço.
“Quando você tem uma alavancagem boa como essa — baixo custo e longo prazo —, isso gera prêmio. Se você acredita que o bitcoin vai se valorizar ao longo do tempo e quer ter uma exposição alavancada, é daí que vem a origem do múltiplo [em relação ao bitcoin]”, afirma o empresário.
Por outro lado, caso o bitcoin não se valorize como o esperado, esse modelo de negócio traz o risco de o credor optar por receber o pagamento em dinheiro, em vez de converter a dívida em ações — o que poderia levar a companhia a vender parte de seus bitcoins para honrar os compromissos. É um risco que Gomes considera relativamente baixo, já que aposta na valorização contínua do ativo, pelo menos, nos próximos anos.
Não há, ao certo, um ponto ótimo para a proporção entre o valor de mercado da empresa e o valor de suas reservas em bitcoin — chamado de mNAV. O múltiplo ideal varia conforme o momento de mercado e a confiança dos investidores na tese.
No caso da Méliuz, por exemplo, a companhia realizou sua emissão quando as ações eram negociadas a cerca de três vezes o valor de suas reservas de bitcoin, aproveitando o prêmio elevado para quase dobrar a exposição ao ativo. Hoje, seu valor está em 1,33x.
Outras empresas que multiplicaram de tamanho com a tese, como a japonesa Metaplanet e a própria Strategy, têm tido dificuldades em manter um valor de mercado em relação às suas reservas. Atualmente, o mNAV da Strategy está em 1,26x, enquanto a da Metaplanet, em 0,96x. O da OranjeBTC está em 1,05x.
O ceticismo do mercado local
Embora o modelo de negócio tenha ganhado tração lá fora — com 61 companhias listadas se definindo como bitcoin treasury companies, segundo levantamento do Standard Chartered Bank —, no Brasil esse tipo de ação ainda circula majoritariamente entre entusiastas das criptomoedas.
A liquidez é baixa, o acompanhamento por analistas é praticamente inexistente e o interesse do investidor tradicional segue limitado, o que dificulta a consolidação de um mercado secundário mais estável. Entre gestores tradicionais, quase nenhum se interessa pela tese ou preferem ter exposição direta ao bitcoin. E ainda é preciso disputar o espaço com a Méliuz, que, embora tenha uma tesouraria menor, está há mais tempo na bolsa e conta com quase 70 mil investidores.
Entre os grandes bancos, somente o Itaú BBA — que atuou como assessor financeiro exclusivo da incorporação reversa — mantém cobertura sobre a ação. Ainda assim, os analistas optaram por não definir um preço-alvo nem emitir recomendação, citando a alta volatilidade do bitcoin e, consequentemente, da própria ação da OranjeBTC.
Em seu último relatório, o Itaú BBA, no entanto, destacou que o modelo de negócio das bitcoin treasury companies depende fortemente de condições favoráveis de mercado — tanto para a emissão de novas ações quanto para a captação de dívida. Sem esse ambiente, o negócio simplesmente trava.
Além disso, o banco observa que, à medida que essas companhias amadurecem, a capacidade de gerar valor por meio da aquisição de novos bitcoins tende a diminuir, fazendo com que o preço da ação se aproxime do valor patrimonial do ativo e o “prêmio” que sustenta a tese se dilua com o tempo.
“O negócio só terá sucesso se o preço do bitcoin subir, o que implica que, ao longo do tempo, o preço da criptomoeda precisa continuar se valorizando”, afirma o relatório.
Entre as assessorias de investimento, o ceticismo também é predominante. A maioria tem mantido seus clientes fora da tese, recomendando exposição direta ao bitcoin, em vez de via ações de tesourarias listadas.
“É para um investidor extremamente agressivo, que quer ganhar exponencialmente através da alavancagem empresarial. Só que um movimento muito forte de queda causa um prejuízo muito maior em relação à exposição direta ao ativo”, diz Virgílio, da Valor Investimentos.
Outro ponto de incerteza recai sobre o futuro da própria companhia, já que não há um plano claro sobre o que será feito com os bitcoins acumulados, além do simples objetivo de aumentar a posição.
Embora ainda não tenha um plano definido para o uso futuro dos bitcoins acumulados, o CEO da OranjeBTC avalia a possibilidade de, em algum momento, utilizar parte das reservas para abrir novas linhas de negócio dentro da companhia.
“Lá na frente, o que eu posso fazer com uma companhia com uma marca forte, distribuição robusta e um trilhão de dólares em balanço? Posso lançar uma série de serviços e produtos para operar no segmento de bitcoin”, afirma Gomes.
Essa incerteza, no entanto, tem sido um dos pontos de cautela no mercado, mesmo entre os entusiastas da criptomoeda. “O objetivo final ou a porcentagem que essas empresas almejam é muito obscuro — e muito distante pra mim também”, disse ao NeoFeed um executivo de uma empresa internacional de criptomoedas com atuação no Brasil.









