O leilão do Tecon 10, o megaterminal de contêineres que será construído no Porto de Santos, o maior da América Latina, inicialmente previsto para dezembro, deverá ocorrer apenas no início de 2026.
Apesar de o Ministério dos Portos ainda não ter confirmado oficialmente o adiamento, fontes do setor portuário afirmam que a demora do Tribunal de Contas da União (TCU) em avaliar as regras do leilão propostas pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) torna inviável a realização do certame até 17 de dezembro, como queria o governo.
A polêmica em torno das regras do certame – que, em tese, deixam de fora gigantes globais que operam no porto – vem levantando temores de que a disputa acabará na Justiça. Por isso, a pedido do NeoFeed, Daniela Poli Vlavianos, advogada especialista em licitações do setor, avaliou se cinco concorrentes de fora, todas gigantes globais, cumprem as normas previstas pelo edital.
O Tecon 10 ocupará 622 mil m², ampliando em 50% a capacidade de carga do porto. O leilão deve arrecadar R$ 6,5 bilhões em outorga, com investimento previsto de até R$ 40 bilhões em 25 anos.
O edital fala em determinar a capacidade do megaterminal para até 3,5 milhões de TEUs/ano – cada TEU representa um contêiner de 20 pés, ou cerca de 6 metros –, além da construção de quatro berços de atracação e de um terminal de passageiros.
O modelo de leilão previsto pela Antaq prevê duas etapas: a primeira restrita a empresas sem operação de contêineres no porto, para evitar concentração de mercado. Se não houver interessados, a disputa será aberta aos atuais operadores.
Dois pareceres – da AudPortoFerrovia (TCU) e da Seae (Ministério da Fazenda) – sugerem leilão em fase única, com participação dos operadores e compromisso de desinvestimento caso vençam.
Já o parecer do Cade aponta riscos concorrenciais na concessão a operadores já atuantes, mas não é definitivo. Segundo o órgão, “uma análise conclusiva só seria possível em estudo aprofundado de concentração econômica”.
A procuradora-geral do Ministério Público junto ao TCU, Cristina Machado da Costa, ajudou a alimentar a polêmica ao divulgar, na semana passada, um parecer indicando que a restrição imposta aos atuais operadores portuários de contêineres em Santos (os grupos MSC, Maersk, CMA CGM e DP World) para participação na disputa é “ilegal” e deve ser alterada.
O parecer foi repassado ao relator do caso no TCU, ministro Antonio Anastasia, que em tese terá 60 dias para levar o caso ao plenário. Mesmo que apresse a colocação em pauta da apreciação de seu relatório pelos nove ministros, há apenas mais cinco sessões até o fim do ano, além de uma extraordinária, que já foi convocada.
NA possibilidade de algum ministro pedir vista para ampliar a análise, iniciativa comum em casos do gênero, leva integrantes do próprio governo colocar em dúvida a votação ainda em 2025.
“O Ministério de Portos e Aeroportos aguarda a conclusão da análise do processo pelo Tribunal de Contas da União (TCU) e segue trabalhando para que o leilão do Tecon Santos 10, no Porto de Santos, ocorra ainda em 2025″, afirma a pasta, em nota.
Adiamento necessário
Daniela Vlavianos, do escritório Arman Advocacia e especializada em licitações no setor logístico, afirma que independentemente de o modelo do leilão autorizar ou vetar a participação dos grandes operadores atuais no Tecon 10, é juridicamente recomendável o adiamento para janeiro.
“Isso porque verificam-se ao menos dois vetores que justificam aguardar: o risco de judicialização e a necessidade de maior maturação regulatória e concorrencial”, afirma.
No primeiro caso, ela lembra que a participação de incumbentes no leilão está sendo contestada judicialmente, numa referência à Maersk, que ingressou com medida contra a restrição de que operadores atuais só participem de fases posteriores.
“A Administração Pública, para garantir o princípio da competitividade e da seleção do melhor proponente, deve concluir o edital e todo crivo prévio antes de dar início à fase de habilitação ou lances”, afirma. “Ou seja, a postergação permite consolidar essa estrutura e mitigar contestações.”
No segundo vetor, o adiamento permite que eventuais ajustes regulatórios e normativos sejam incorporados. “A postergação favorece que potenciais entrantes internacionais façam diligência adequada, que o edital contemple todas as variáveis de risco e que o Estado garanta o interesse público de forma plena”, emenda.
Embora a polêmica em torno das regras do leilão esteja mobilizando mais as empresas que operam no porto – e estariam sendo alijadas da disputa -, as gigantes globais do setor têm acompanhado com interesse o caso, pois sem a concorrência de players como a Maersk, teriam mais chances no certame.
São pelo menos 10 grandes operadoras internacionais interessadas em participar da disputa e fincar raízes no maior porto da América do Sul. A pedido do NeoFeed, a especialista Vlavianos selecionou cinco delas, avaliando se elas se adequariam às normas do edital e o impacto que uma vitória causaria na operação do porto.
A chinesa Cosco, por exemplo, agregaria valor, em sua avaliação. Com operações em mais de 160 países – incluindo o Brasil, onde possui uma unidade operacional em Santos, próxima ao porto -, a Cosco transporta cerca de 10% dos contêineres em circulação no planeta em mais de 500 navios, sendo a quarta maior armadora global (perde apenas para a suíça MSC, a dinamarquesa Maersk e a francesa CMA CGM).
Se vencer a licitação em Santos, a Cosco agregaria mais um ativo relevante na América do Sul – em 2024, comprou por mais de US$ 4 bilhões uma participação de 60% no porto peruano de águas profundas de Chancay.
“A vinculação do Tecon 10 ao portfólio de operações globais da Cosco permite ao Estado projetar melhor fluxo de cargas e escala logística, o que contribui para a viabilidade do terminal, requisito central do edital e do contrato-base”, avalia Vlavianos.
Capacidade Regulatória
Outra concorrente citada é o ICTSI Group das Filipinas, operador independente já presente no Brasil, no Tecon Suape, em Pernambuco, e no Rio Brasil Terminal, no Rio de Janeiro.
Em junho, a ICTSI Americas, subsidiária da ICTSI, adquiriu a totalidade do controle do antigo Estaleiro Inhaúma, que já foi um dos principais centros de construção naval no País. Localizado próximo ao Porto do Rio, o Inhaúma fica em uma área estratégica.
“O ICTSI Group mostra capacidade regulatória integrada e histórico de cumprimento de obrigações de investimento, o que reduz o risco de judicialização ou inexecução contratual, relevante em ambiente de concessão ou arrendamento”, afirma a especialista.
A PSA International é responsável por operar o maior centro de transbordo de contêineres do mundo em Singapura, onde tem sede. A empresa oferece uma variedade de serviços, incluindo operações portuárias, de contêineres e de cadeia de suprimentos.
“A PSA já opera dezenas de terminais em vários países e traz experiência que pode garantir cumprimento das obrigações contratuais de concessão/arrendamento, exigidas pelo edital”, afirma Vlavianos. “A sua entrada fortalece o critério de seleção do proponente mais vantajoso do ponto de vista técnico-econômico.”
Outras duas empresas foram citadas pela especialista. Uma delas, a ONE (Ocean Network Express), opera em mais de 100 países, com uma frota de mais de 260 navios. Com sede global em Singapura, opera uma rede mundial e tem o Brasil como foco regional na América Latina.
“Como armador-operador que também veicula terminais, a ONE pode assegurar volumes contratuais mínimos (via ligações com frota, serviços marítimos), o que ajuda a dar concretude ao contrato de concessão – aumentando a segurança de receita para o Estado e potenciais financiadores”, observa Vlavianos.
Por fim, ela cita a Hutchison Ports, de Hong Kong: “Modelo global de terminais puros, com rigor em compliance e governança, o que favorece a aderência aos padrões contratuais, ambientais e de transparência exigidos pelo edital e pela norma portuária.”
Em sua avaliação, a especialista afirma que essas empresas são juridicamente qualificadas porque possuem histórico de cumprimento de grandes contratos de infraestrutura, capacidade de investimento compatível com exigências de edital e perfil que reduz risco de concentração de mercado (valorizando a competitividade).
“Do ponto de vista do edital e do contrato, elas trazem vantagem de menor probabilidade de litigiosidade futura, maior previsibilidade de cumprimento de cronograma e investimento, e capacidade técnica para elevar eficiência operacional”, conclui Vlavianos.

 
 







