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O Ibama arquivou o licenciamento da UTE Ouro Negro após oito anos, devido a inconsistências técnicas, riscos ambientais e falta de resposta da empresa Ouro Negro (depois Ouro Nova) às exigências do órgão. O projeto previa uso intensivo de água em área já considerada crítica e enfrentou resistência de ambientalistas.
O arquivamento é visto como marco contra novos projetos a carvão, mas nove usinas ainda operam no Brasil, com outorgas até 2050 e beneficiadas por subsídios.
Uma medida provisória em tramitação prorroga contratos e subsídios dessas usinas até 2040, o que alimenta a contradição entre discurso ambiental e prática do setor. Entidades pedem veto presidencial à medida.
* Resumo gerado por inteligência artificial e revisado pelos jornalistas do NeoFeed
O setor de carvão mineral, considerado combustível fóssil altamente poluente, sofreu uma rara derrota na era de transição energética.
Após oito anos, o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) finalmente decidiu arquivar o processo de licenciamento da Usina Termelétrica (UTE) Ouro Negro, em Pedras Altas (RS) — o último projeto de usina a carvão em tramitação no órgão.
O anúncio, divulgado durante o início da COP 30 em Belém (PA), foi comemorado com cautela por ambientalistas e entidades do setor elétrico.
Agora, esses segmentos estão empenhados em convencer o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a vetar o “jabuti” incluído na MP 1.304, que trata da reforma do setor elétrico, assegurando a contratação de energia de termelétricas movidas a carvão mineral em casos de alta demanda ou de escassez hídrica até 2040.
Essa contradição reforça a polêmica que vem acompanhando o setor de carvão mineral no País. O processo de licenciamento da UTE Ouro Negro tramitou por oito anos no Ibama e, desde o início, ficou claro que não poderia ser aprovado.
O projeto, apresentado pela empresa Ouro Negro Energia a partir do Leilão A-6, de 2017 – para contratar a produção de 63 usinas de diversas fontes (eólica, PCH, biomassa e gás natural) – previa uma térmica de 600 megawatts (MW) movida a carvão mineral, em uma região já considerada crítica em termos de disponibilidade hídrica pela Agência Nacional de Águas (ANA).
Desde 2016, o órgão havia indeferido o pedido de captação de água, sinalizando os riscos ambientais do empreendimento – localizado perto de onde opera outra usina termoelétrica a carvão, Cadiota III, que fornece energia para o sistema elétrico brasileiro e é importante para a interligação com o Uruguai.
O pedido de licenciamento no Ibama, porém, seguiu os trâmites até ser encerrado, na prática, por desistência da Ouro Negro – que ao longo do processo mudou o nome da empresa para Ouro Nova.
“O projeto era tecnicamente inconsistente, socialmente injustificável e ambientalmente inviável”, afirma Juliano Bueno de Araújo, diretor técnico do Instituto Internacional Arayara – organização da sociedade civil (OSC) sem fins lucrativos que atua na defesa do meio ambiente, que fez o anúncio da decisão do Ibama em Belém.
A demora para o arquivamento chama a atenção porque o Ibama havia identificado pendências relevantes nos planos de risco e emergência, como deficiências nos sistemas de combate a incêndios e ausência de medidas para proteção da fauna.
Mesmo notificada em agosto de 2023, a empresa não apresentou complementações, o que levou à paralisação do processo. Após dois anos de inatividade, o caso foi arquivado conforme a Instrução Normativa nº 184/2008.
“A decisão do Ibama de arquivar o último projeto de usina a carvão marca um posicionamento quase definitivo contra novos empreendimentos desse tipo, devido à emergência climática, compromissos internacionais e impactos ambientais”, afirma o engenheiro John Wurdig, especialista de energia do Observatório do Carvão Mineral (OCM), entidade que congrega várias instituições, entre elas a Arayara.
Wurding observa que a questão climática é especialmente sensível no Rio Grande do Sul, agravada com a emissão poluente das usinas a carvão.
“O estado passou por cinco eventos climáticos extremos nos últimos anos, a grande inundação de 2024 foi apenas um deles, e a Região Sul como um todo tem atuado como porta de entrada para eventos climáticos extremos, como vimos nos últimos dias com o tornado que passou pelo Paraná”, acrescenta o especialista.
Outorgas até 2050
No total, o País ainda conta com nove usinas termelétricas a carvão natural em operação que fazem parte do Sistema Interligado Nacional (SIN), com outorgas que se estendem entre 2028 e 2050.
“Apesar de o Ibama arquivar novos projetos, as usinas existentes continuam operando com subsídios e contratos estendidos, o que gera uma contradição entre o discurso de transição e a prática”, afirma Wurding.
O setor do carvão, que sempre contou com apoio das bancadas dos estados do sul do País no Congresso Nacional, tentou emplacar um “jabuti” no PL das Eólicas Offshore prorrogando contratos de usinas termelétricas a carvão mineral até 2050, mas o artigo foi vetado pelo presidente Lula.
O jabuti voltou a ser incluído, desta vez na MP do setor elétrico, que obriga a contratação de energia de termelétricas movidas a carvão até 2040, em casos de alta demanda ou de escassez hídrica. A medida também prorroga por 25 anos as outorgas de concessão e autorização para produção independente de energia dessas usinas.
Na prática, o texto dá sobrevida à usina Candiota III, no Rio Grande do Sul, e à usina de Figueira, no Paraná. Ambas estão aptas ao reembolso pela compra de carvão, subsídio que está previsto para acabar em 2027 e também beneficia o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, em Santa Catarina, que já tem garantia de funcionamento até 2040.
Só no ano passado, o subsídio para essas usinas foi de cerca de R$ 1,14 bilhão, o equivalente a 2,4% de todos os subsídios do setor elétrico, segundo o Instituto Arayara.
O Movimento União Pela Energia, fórum de debates sobre o tema na indústria nacional, divulgou documento na segunda-feira, 10 de novembro, defendendo o veto presidencial ao artigo da MP 1.304 que impõe a contratação compulsória de térmicas a carvão até 2040.
A Abrace Energia, associação que reúne 60 grupos empresariais, também defendeu a revisão das contratações compulsórias de geração de energia elétrica, entre elas, a de carvão mineral.









