A aprovação da exploração de petróleo na Margem Equatorial encerrou um longo debate sobre o risco de o País seguir apostando em combustíveis fósseis como fonte de energia quando o mundo debate formas de financiar a transição energética em uma economia global que valoriza cada vez mais práticas sustentáveis.
Como a maioria dos prognósticos atuais aponta que a demanda global por petróleo e gás deve atingir o pico até 2030, o Brasil precisa decidir qual caminho tomar. Investir na exploração da Margem Equatorial, por exemplo, pode não ser suficiente para o País dar um salto de renda per capita no médio prazo.
Isso porque a dependência econômica do Brasil do setor petrolífero é limitada: estima-se que o setor gere cerca de 600 mil empregos diretos e indiretos, o que equivale a menos de 1% da força de trabalho. Além disso, a produção de petróleo na Margem Equatorial deve ser maior a partir de 2030, quando a demanda global já estiver em trajetória de queda.
Por outro lado, o País precisa usar o dinheiro do petróleo para financiar a transição energética, que deve abrir uma nova cadeia de valor na economia global, sendo que o potencial nacional de biocombustíveis e de energia limpa oferece perspectivas otimistas.
O maior risco, portanto, é que o Brasil deixe de aproveitar as oportunidades oferecidas — tanto pelo aumento da renda petrolífera quanto pela descarbonização da economia global.
Esse dilema é explorado pelo cientista político e economista brasileiro Nicolas Lippolis, que assina um estudo divulgado na terça-feira, 11 de novembro, pela Climate Strategies – organização internacional sem fins lucrativos de intermediação de conhecimento entre pesquisadores em torno de políticas climáticas.
Pesquisador de pós-doutorado no Centro de Política Energética Global e na Escola do Clima da Universidade Columbia, em Nova York, Lippolis é fundador e diretor executivo do Centro de Energia, Finanças e Desenvolvimento (CEFD).
No estudo “Resiliente, mas ainda não transformador: o setor de petróleo e gás do Brasil em um mundo em descarbonização”, o autor destaca as previsões de redução da demanda global por petróleo, enquanto o Brasil abre novas fronteiras de exploração.
“Fortalecer a gestão das receitas do petróleo, melhorar a coordenação política sobre combustíveis sustentáveis e financiar a inovação em tecnologias de energia limpa poderiam transformar a riqueza do petróleo brasileiro em um catalisador para a transformação econômica verde”, sugere Lippolis.
O especialista observa que o Brasil precisa acelerar sua visão de longo prazo de uma economia sustentável – incluindo o desenvolvimento de tecnologias competitivas de baixo carbono que substituam os combustíveis fósseis em seus maiores usos – diante da constatação de que a demanda global por petróleo e gás deve atingir o pico até 2030.
“Mesmo com a queda da demanda global, a produção de petróleo do Brasil provavelmente permanecerá competitiva, mas o País faz pouco para canalizar as receitas do petróleo para setores que possam prosperar em um mundo em descarbonização”, adverte o autor do estudo.
Impactos
O paper mostra que projeções para a trajetória do setor dependem de decisões sobre a ampliação da fronteira exploratória brasileira. A produção de petróleo deve atingir o pico entre 5,3 e 5,4 milhões de barris em 2029–2030 e, caso novas áreas de exploração não sejam abertas, deverá cair de 200 mil barris diários a 300 mil barris diários por ano a partir de então. A substituição dessas reservas virá principalmente da Margem Equatorial.
Em entrevista ao NeoFeed de Belém, onde participa da COP 30, Lippolis afirma ser pertinente considerar que, caso tais descobertas na Margem Equatorial se mostrem comercialmente viáveis, a Petrobras demandaria investimentos significativos para operacionalizar a produção de petróleo na região. Essa alocação de recursos poderia redirecionar investimentos, que já são limitados, de iniciativas voltadas para a transição energética.
“Portanto, a preocupação é justificada, especialmente diante da redução observada, tanto na Petrobras quanto em outras empresas petrolíferas, nos investimentos em transição energética nos últimos anos”, diz Lippolis.
Com isso, observa ele, os efeitos da exploração na Margem Equatorial sobre os investimentos na agenda de sustentabilidade dependem, em primeiro lugar, da postura da Petrobras, que precisa ser mais proativa em relação à agenda de transição energética.
Desde o ano passado, a Petrobras tem redirecionado seus investimentos, priorizando a produção de combustíveis de baixo carbono, especialmente biocombustíveis, em detrimento de projetos de energia solar e eólica. Atualmente, a empresa demonstra maior interesse no desenvolvimento de biocombustíveis em comparação com outras fontes de energia renovável.
Lippolis sugere um planejamento dedicado – por parte da Petrobras ou do Estado – para integrar recursos renováveis (biomassa, hidrogênio verde) e infraestrutura de hidrocarbonetos (refinarias, oleodutos) para catalisar o desenvolvimento de combustíveis de baixo carbono, como o combustível sustentável de aviação (SAF), biocombustíveis avançados e combustíveis sintéticos.
Segundo ele, considerando os biocombustíveis etanol, biodiesel e HVO (óleo vegetal hidrotratado), o etanol representa um setor estabelecido e economicamente viável no Brasil, facilitando o investimento.
O biodiesel, por sua vez, é explorado pela Petrobras através da Petrobras Biocombustíveis (Pbio), empresa que historicamente apresenta resultados financeiros negativos, o que sugere menor atratividade para novos investimentos.
Já o HVO, ou diesel verde, envolve tecnologias proprietárias da Petrobras, como o coprocessamento. Essa área demonstra potencial para investimentos, embora o HVO não tenha entrado na Lei do Combustível do Futuro, principal iniciativa recente de incentivo aos biocombustíveis avançados e ao setor em geral.
“Essa situação revela uma aparente falta de coordenação entre as políticas governamentais, em uma área onde a Petrobras demonstra potencial e o Brasil poderia assumir uma posição de liderança global”, afirma Lippolis.
O Estado brasileiro, segundo ele, deve assumir a responsabilidade por essas funções.
“Primeiramente, compete ao Estado definir diretrizes claras, especialmente aquelas que ofereçam aos agentes privados do setor informações precisas sobre a demanda por novas tecnologias, setores da economia verde e políticas de energia renovável; adicionalmente, o Estado pode atuar como incentivador de investimentos por meio de empréstimos e financiamentos”, afirma o especialista.
Outra estratégia apontada por ele é a utilização de políticas de compras governamentais que estimulem os setores de economia verde, prática já adotada no Brasil, além de ser necessário envolver as empresas estatais.
“Embora haja consenso generalizado sobre a necessidade da participação do setor privado na transformação verde e na industrialização sustentável, reconhece-se o papel fundamental do Estado na coordenação”, afirma Lippolis. “A coordenação estatal é essencial e insubstituível para o sucesso dessa transição.”









