O planeta está navegando por uma “desordem global” marcada por tensões geopolíticas e uma mudança econômica fundamental, pela qual o crescimento agora é impulsionado por tecnologias como a inteligência artificial (IA), e não pelo comércio tradicional.
Esse cenário apresenta tanto oportunidades imensas de produtividade e prosperidade como riscos significativos, incluindo três bolhas econômicas potenciais – de IA, de criptomoedas e de dívida pública – e disrupção da força de trabalho.
O alerta foi feito na quarta-feira, 5 de novembro, pelo norueguês Børge Brende, CEO do Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês) – organização internacional sem fins lucrativos que reúne anualmente em Davos, na Suíça, líderes políticos, empresariais, acadêmicos e da sociedade civil para discutir questões globais, como economia, meio ambiente e tecnologia.
Ex-ministro das Relações Exteriores da Noruega, com vasta experiência política (foi também ministro do Meio Ambiente e de Comércio e Indústria em seu país), Brende conversou com jornalistas durante passagem por São Paulo, na qual também falou sobre sua expectativa com a COP 30 em Belém e das oportunidades econômicas e geopolíticas do Brasil no cenário mundial.
“O mundo está passando por um período de ‘desordem global’, o mais problemático em termos geopolíticos desde a Segunda Guerra”, afirma Brende. Apesar das expectativas, em sua visão, isso não teve um impacto negativo mais severo na economia global.
“As nações parecem estar se adaptando às incertezas, como tarifas e conflitos comerciais”, emenda, citando a “resiliência surpreendente” da economia global, com crescimento esperado de 3,2% – segundo ele, modesto em comparação com a tendência histórica de quase 4%.
Uma mudança fundamental é que o comércio tradicional de bens manufaturados deixou de ser o principal motor da economia global, com expectativa de crescimento de apenas 1% este ano, bem abaixo da taxa histórica, cerca do dobro do crescimento geral.
Brende observa que o crescimento agora é impulsionado por novas tecnologias, comércio digital e serviços. No entanto, essa transição está sendo problemática, com investimentos massivos em áreas como IA e criptomoedas ainda sem gerar receita significativa.
Por isso, o CEO do Fórum Econômico Mundial detecta o surgimento de três grandes bolhas econômicas potenciais: uma bolha de criptomoedas, uma de IA alimentada por esses investimentos massivos sem receita imediata, e uma de dívida pública.
Embora grandes empresas possam absorver esses custos, retornos eventualmente são necessários. Ele compara a ameaça atual com a bolha das empresas ponto-com do início dos anos 2000 que eliminou algumas companhias, mas também deu origem a gigantes como o Google, sugerindo que, mesmo que uma bolha estoure, a tecnologia subjacente continuará sendo relevante.
“A IA está atualmente em uma ‘fase de hardware’ que exige bilhões em investimentos, mas em breve passará para uma ‘fase de software’, onde inovadores poderão criar aplicações sem capital massivo, democratizando oportunidades”, afirma. Ele cita a DeepSeek, uma empresa chinesa menor que desenvolveu um modelo de linguagem poderoso com menos investimento, mostrando que “o gênio saiu da garrafa”. “A chave é requalificar e aprimorar a população.”
Segundo ele, a atual competição entre EUA e China é, fundamentalmente, uma corrida pela supremacia tecnológica, já que o líder em tecnologia provavelmente será a nação mais forte do século.
“A recente reunião entre os presidentes Xi Jinping e Donald Trump foi importante, pois ambos concordaram em adiar decisões difíceis”, diz, sobre essa disputa. “A China postergou restrições à exportação de terras raras, e os EUA permitiram a continuidade das exportações de microchips para a China.”
Impacto
Sobre o impacto da IA no mercado de trabalho, Brende apresenta duas perspectivas. “A visão do ‘copo meio vazio’ é o risco de um novo ‘Rust Belt’, desta vez afetando trabalhadores de colarinho branco em funções administrativas que podem ser substituídas pela IA”, diz, numa referência à região do centro-norte dos Estados Unidos, historicamente associada à indústria pesada, que sofreu um declínio econômico a partir da segunda metade do século XX.
“A visão do ‘copo meio cheio’ é que, historicamente, a mudança tecnológica aumenta a produtividade, que é o único caminho para a prosperidade de longo prazo”, afirma o dirigente, citando o setor agrícola da Suíça, que caiu de 98% para 2% da força de trabalho ao longo de décadas, enquanto a produção de alimentos disparou e os trabalhadores deslocados migraram para indústrias de maior valor.
Sobre a potencial bolha da dívida, Brende adverte para uma situação complexa: “Os governos dos países do mundo nunca estiveram tão endividados desde 1945, mas o setor privado, não”, diz. Segundo ele, neste sentido, a América Latina é uma região que se encontra em uma situação interessante: “Há agora abordagens muito diferentes para as políticas econômicas nos diferentes países, e uma coisa ótima é o acordo Mercosul-União Europeia.”
Nesse cenário fragmentado, Brende afirma que o Brasil tem imenso potencial, mas precisa enfrentar desafios internos como segurança e restrições fiscais.
“O Brasil é uma nação de enormes oportunidades, com vastos recursos, incluindo minerais críticos, seu crescimento recente tem sido razoável, embora esteja desacelerando”, afirma. Para aproveitar seu potencial, o País deve continuar com reformas, gerar empregos e administrar uma situação fiscal restrita.
Sua liderança também é relevante no contexto dos Brics e para outras nações em desenvolvimento. Perguntado sobre o recente episódio de violência no Rio de Janeiro, Brende diz que a segurança é um fator crítico para o desenvolvimento econômico e investimentos, junto com política fiscal sólida e capital humano.
“O crime organizado, especialmente em regiões como a Amazônia, é um obstáculo significativo. O aumento do cibercrime, que drena cerca de US$ 3 trilhões da economia global, alimenta essas redes criminosas”, adverte. “Embora o Brasil tenha recursos para enfrentar isso, não pode ser complacente.”
Brende também ressaltou o peso da presidência brasileira da COP30, pois o País representa as complexidades do debate climático: é grande produtor de petróleo, abriga a maior floresta tropical do mundo e é uma potência agrícola.
“Sua liderança é crucial para encontrar formas de desvincular crescimento econômico da pegada ecológica”, diz ele, argumentando que, embora a política mude, a ciência climática permanece, e o Brasil pode ser um garantidor de uma abordagem científica.
Brende observa que o papel das empresas nas conferências climáticas (COPs) se transformou: o que antes era uma negociação entre servidores públicos agora é uma grande oportunidade de negócios.
“A ‘ecologização da energia’ deve continuar, independentemente de retrocessos políticos, impulsionada pela queda nos custos de renováveis como solar e eólica”, afirma, lembrando que a participação do setor privado é agora permanente e essencial para a solução climática.
Num sistema multilateral enfraquecido, porém, Brende admite que as instituições precisam se adaptar. Ele reconhece o atual esvaziamento da Organização Mundial do Comércio (OMC), mas assegura que o Fórum Econômico Mundial segue tendo papel importante.
“A OMC enfrenta desafios com seu modelo baseado em consenso, onde um país pode bloquear avanços, e deveria aceitar acordos plurilaterais”, diz. “O WEF atua como facilitador imparcial e sem fins lucrativos para a cooperação público-privada: não ‘resolve’ problemas, mas viabiliza soluções ao reunir líderes empresariais, governamentais e da sociedade civil para encontrar interesses comuns, como combate a pandemias ou cibercrime”, acrescenta.









