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Lô Borges, falecido aos 73 anos após internação por intoxicação medicamentosa ainda não esclarecida, foi peça central do revolucionário Clube da Esquina. Com mais de meio século de carreira, era reconhecido por sua versatilidade, criatividade e talento como cantor, compositor e instrumentista.
Junto com nomes como Milton Nascimento e Márcio Borges, ajudou a fundar o movimento, cuja fusão entre pop, jazz, rock, música clássica e folclore resultou em sonoridade inovadora e álbuns marcantes, como Clube da Esquina (1972) e Clube da Esquina n.º 2 (1978).
Autor de diversos sucessos, destacou-se também em discos solos como o “Disco do Tênis” e A Via Láctea. Sua obra influenciou gerações, permanecendo relevante pela profundidade poética, caráter reflexivo e capacidade de dialogar com diversas matrizes culturais brasileiras.
* Resumo gerado por inteligência artificial e revisado pelos jornalistas do NeoFeed
Não deixa de ser ironia da vida que o garoto mais novo do movimento Clube da Esquina, que revolucionou a MPB na década de 1970, tenha sido um dos primeiros a partir. Internado desde 17 de outubro por causa de uma intoxicação medicamentosa, ainda não devidamente explicada, Lô Borges faleceu na noite deste domingo, 2 de novembro, por falência múltipla de órgãos, no Hospital Unimed de Contorno, em Belo Horizonte.
Sua morte, aos 73 anos, surpreendeu a todos porque ele se manteve ativo e envolvido em diversos projetos até pouco antes de ser internado. Nos últimos sete anos, ele lançou sete discos somente com músicas inéditas, o último deles, Céu de Giz, com músicas suas e letras de Zeca Baleiro. Desde 25 de outubro, após uma traqueostomia de urgência, ele passou a respirar com a ajuda de aparelhos. No sábado, seu quadro piorou muito.
Talento precoce, Lô Borges somou mais de meio século de carreira no primeiro escalão da MPB. Natural de Belo Horizonte, onde nasceu em 1952, ao lado do irmão mais velho, Márcio Borges, notório letrista, fez parte da fundação do Clube da Esquina, movimento musical que surgiu na década de 1960 e marcou a transição de uma era de experimentações para um novo tempo de sonoridade mais rica e complexa dentro da música brasileira.
Além de Lô e Márcio Borges, faziam parte do clube hoje expoentes da MPB: Milton Nascimento, Beto Guedes, Toninho Horta, Wagner Tiso, Fernando Brant, Ronaldo Bastos e Flávio Venturini, entre outros. Tudo isso começou a brotar em meio aos festivais da canção na segunda metade dos anos 1960 — que lançou Milton em 1967, com “Travessia”, dele e de Fernando Brant — e foi bastante influenciado pela música pop, principalmente pelos Beatles.
Nessa salada revolucionária, em meio a tanta criatividade, misturavam-se elementos da música folclórica brasileira, do jazz, do rock e da música clássica, o que tornou as composições de todos os seus componentes inovadores e atemporais. Lô Borges, com seu talento como cantor e compositor, foi essencial para dar forma a esse movimento. Os dois irmãos e Milton compuseram juntos, por exemplo, um dos hinos do projeto musical Os sonhos não envelhecem, que faz parte do disco Clube da Esquina n.º 2 (1978).
A obra-prima em formato de álbum conceitual, Clube da Esquina (1972), é considerada um marco na história da música brasileira e mundial e hoje é creditada como resultado da parceria principalmente entre Milton Nascimento e Lô Borges.
Suas primeiras composições, que fazem parte do disco, como Cravo e Canela, O Leãozinho (as duas em parceria com Milton), Panis et Circenses e Cais, tornaram-se emblemáticas por sua fusão de estilos e pela sua capacidade de transmitir emoções profundas por meio de suas letras e melodias.
A importância de Lô Borges nesse disco, aliás, não se limita apenas ao seu papel como músico, mas também como criador e inovador musical. Ele participou ativamente da composição e das gravações das músicas no estúdio, muitas das quais se tornaram clássicos da música brasileira, e sua voz e presença no palco se converteram símbolos de uma geração em busca de novas formas de expressão musical.
Nesse trabalho, Lô Borges contribuiu também com sua habilidade para transitar entre diferentes estilos musicais — era dono de uma formação sólida, resultado de um ambiente familiar bastante musical. Ao lado de Milton, em várias faixas, ajudou a criar uma sonoridade que mesclava o improviso do jazz com as melodias e ritmos regionais brasileiros, o que era algo inovador e único para a época.
O álbum se tornou um dos mais aclamados da história da música brasileira e consolidou o Clube da Esquina como um dos movimentos mais importantes da MPB.
Para muitos, a fusão de influências de diversos gêneros musicais tornou a obra do grupo uma das mais inovadoras e significativas do século 20 em todo o mundo.
Mesmo o mais novo de todos, Lô Borges se consagrou depois pela extensa produção de músicas que compôs sozinho ou em parcerias e pela quantidade de hits que acumulou. Como O Trem Azul (com Ronaldo Bastos), Paisagem da Janela (com Fernando Brant, sucesso de Beto Guedes), Um Girassol da Cor do Seu Cabelo (com Márcio Borges), Clube da Esquina n.º 2 (com Milton Nascimento e Márcio Borges), Sonho Real e A Via Láctea, entre outros.
O “Disco do Tênis”
Após o auge do Clube da Esquina, ele seguiu carreira solo, mas continuou conectado com suas raízes musicais. Ao mesmo tempo, explorou novas possibilidades dentro da MPB. Seu álbum solo de estreia, lançado em 1972, que ficou mais conhecido como o “Disco do Tênis” — a capa trazia o par de tênis surrado que o artista usava na época —, mostrava personalidade e originalidade. O terceiro álbum, A Via Láctea (1979), um dos discos mais cultuados nos últimos 40 anos, apresentava sua evolução notável como artista.
Ele tinha um som mais pessoal e introspectivo, mas sem perder a profundidade e a originalidade que marcaram seu trabalho com o Clube da Esquina. Nas décadas seguintes, foi responsável por projetos e colaborações com outros artistas de renome. Contribuía com sua visão única da música brasileira — de diferentes épocas e matrizes — e um repertório criativo sem limites.
Tudo isso fez com que sua obra transcendesse a participação no Clube da Esquina e se refletisse na forma como ele abordou as questões sociais e culturais do Brasil.
No ensaio Lô Borges e a MPB, publicado no Digestivo Cultural, Ronald Polito escreveu que ele se tornou uma “coisa incomum na MPB do período (anos 1970), com tendência a uma supervalorização da letra das canções”. Sem dúvida, porque sua música sempre teve um caráter reflexivo e poético.
Ele se consolidou como um dos maiores compositores da MPB por sua habilidade de criar músicas que falavam diretamente ao coração das pessoas, ao mesmo tempo em que se mantinham abertas a diferentes interpretações.
Além de ser um dos pilares do Clube da Esquina, Lô Borges se tornou um dos responsáveis por dar forma a um dos períodos mais inovadores e ricos da música brasileira, e seu legado perdura como um exemplo de excelência artística.
Como compositor e intérprete, contribuiu para sua evolução, ajudou a criar um novo estilo que unia diferentes influências e estilos musicais, de forma original e criativa. Uma obra que, sem dúvida, não envelhecerá jamais. Assim como os sonhos que ele, seu irmão e Milton propagaram a partir de seus versos.

 
 







